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sexta-feira, 15 de junho de 2012

O cliente sempre tem razão?

o cliente sempre tem razão

Hora polêmica...

Posso sentir o furor após a afirmação, mas tenho que dizer que nunca concordei com a premissa de que o cliente tem razão, mesmo quando sou cliente.

Não tem coisa mais chata quando eu, em condição de cliente, percebo que o vendedor quer me empurrar algo mesmo que não me sirva. Uma peça de roupa que não tenha dado certo, um sapato que não combina... Eles dizem que ficou lindo e deixam muito óbvio o fato de que querem apenas vender.

Não posso nem imaginar o quão pior fica a situação quando se trata de um arquiteto querendo vender seu projeto. Fazem tudo o que o cliente pediu, mesmo sabendo que aquilo é inviável estética ou ergonomicamente falando. Fazem de tudo pra agradar, até jogam sua credencial na fogueira.

Mas será que o cliente sempre tem razão? Eu tenho certeza que não. Ele não faz ideia do que fala por que, se soubesse, jamais teria lhe procurado! Eles nunca sabem o que querem até que você apresente a eles! 

Me lembro de um trabalho da graduação em que tínhamos que projetar uma casa para uma família que já tinha em mente algumas preferências e uma delas era um banheiro que tivesse 2 portas que dessem em quartos distintos. 

Trágico. 

Que Arquiteto nesse planeta que tem amor pelo seu título, que estudou 5 anos e passou várias noites em claro teria a coragem de fazer algo assim? Na minha classe teve... e pelo resultado (inesquecível, diga-se de passagem) pude concluir que seguir 100% os requisitos do cliente não é o trabalho de um Arquiteto. Pelo menos não o de um que se preze.

Você não precisa se ajoelhar na frente do cliente e começar a perguntar "Por que, Deus?!" mas cabe ao Arquiteto dar uma orientação sutil que essa é uma ideia maluca.

Se o cliente insistir muito nesse devaneio, ceda. Mas ceda sabendo que a sua parte você fez.

cliente chato

Imagem recebida por e-mail. Segundo o remetente, ela está pendurada na parede de uma oficina mecânica.

Repito que, se o cliente tivesse razão, não estaria te procurando. Ele nunca tem razão e você tem que deixá-lo pensar que tem. Intervir numa maluquice, por exemplo, é fazer o seu papel, pôr em prática os anos de estudo e experiência sem deixar óbvio que o cliente é um leigo (e muitas vezes arrogante).

A grande questão é como se comportar nesses casos. Temos registros históricos que, desde a época de Bernini e Borromini o ego dos Arquitetos fora e continua sendo bem inflado. Não é para menos: no Renascimento eles eram tratados como representações divinas na Terra seguindo a linha de raciocínio de que "o Homem fora feito à imagem e semelhança de Deus; a obra que eu construo é à imagem do Homem; logo, o que construo é divino". Porém, alguns profissionais se esqueceram que os tempos mudaram e preferiram continuar nessa conclusão um tanto arrogante para os dias de hoje. 

A partir disso, temos aqueles 2 padrões de projetistas: o Sabe-tudo e o Sei-de-nada (com todo respeito, ou só um pouco dele...). O Sabe-tudo é aquele que ainda vive no Renascimento e se acha Deus, não quer dar ouvidos a ninguém e acha que seus projetos são expressões do ápice de sua inteligência e criatividade, subestimando o cliente e o afastando ao máximo. O Sei-de-nada é o oposto: ele até sabe bastante coisa (ele conseguiu se formar!!), mas por motivos de preguiça ou algum outro, ele não gosta de exercitar a experiência e deixa que o cliente decida tudo, apostando que essa é a melhor forma de vender seu projeto.

Assim, temos de um lado o Arquiteto que tem consciência até de mais que o cliente não tem razão e do outro lado o Arquiteto que acha melhor não crer nessa afirmação. Esses dois casos só acumulam erros e não há nada de ponto positivo. Para o Arquiteto que "se acha", fica a dica que ser arrogante não é thumbsUp. O cliente precisa de atenção, de alguém que seja humilde o suficiente para notar sua necessidade, captar seu estilo, projetar algo à altura e, caso o cliente tenha algum devaneio, instruir sobre qual a melhor forma de projeção. Ao Arquiteto preguiçoso, que seja dito (e re-dito) que o cliente te procurou para ter alguém que solucione o problema e a necessidade dele, não alguém que apenas assine o seu "projetinho". 

Me lembro de outro caso em que um homem tinha acabado de construir a casa e estava na etapa da decoração. Infelizmente ele era um daqueles homens que entendiam MUI BIEN de "dizáini" e queria de toda forma colocar piso branco e verde (sim, quadrados intercalados) no corredor dos quartos e, não o bastante, em todos os quartos. Nos primeiros minutos falando com ele ficou muito claro que aquela era a causa pela qual ele iria até à guerra e, sendo assim, quem sou eu pra destruir um sonho? Por algum motivo desconhecido as filhas dele nunca convidaram se quer um amigo pra conhecer a casa nova. 

Esse segundo caso foi um exemplo bem cabível do que eu gostaria de falar: clientes nunca tem razão; eles nunca entenderão o seu(nosso) trabalho e não é por isso que temos que ser arrogantes ou deixar nas mãos de um leigo todo o percurso do projeto. Orientar a pessoa que lhe procura é um grande passo. Façamos a nossa parte!

2 comentários:

Adh2BS disse...

Prezada Tainá.
Tenho um colega que sempre afirmou categoricamente que o cliente de projeto não tem razão. Concordamos com você em gênero, número e grau, sem tirar nem por uma vírgula, principalmente no que diz respeito a nossa obrigação enquanto profissionais responsáveis.
Sobre a placa do mecânico - genial - outro colega bolou uma tabela de cobrança de honorários, começando por "opinião" (quando o camarada não quer te contratar mas pede tua opinião a todo momento), passando por "palpite", "pitaco", "sugetão", "ideia" etc, até chegar ao projeto.
Que profissão, a nossa!
Abração,
Adh

Tainá Silva disse...

Nossa, nem me fale! É muito difícil pra todo mundo entender que só a ideia é que já vale por quase todo o trabalho. Pior mesmo é quando as pessoas entendem que Arquiteto é o profissional habilitado a "fazer casas". Tão grande a Arquitetura, tão grande a ignorância dos "de fora"...